O país entra em alvoroço por causa de um acto de indisciplina, trazendo à cena uma série de personalidades, incluindo nem mais nem menos que o Procurador Geral da República, clamando a miséria da escola e da civilidade dos alunos. Mas assobia para o ar quando o Presidente de um governo regional chama à oposição na Assembleia Legislativa “um bando de loucos”, dizendo, em tom chocarreiro (como é hábito), que seria uma vergonha para a Madeira e uma desgraça para o turismo realizar-se a dita sessão solene com o Presidente da República em visita ao arquipélago. O próprio Presidente, em vez de tomar uma atitude, lá cumpre mansamente a visita e fala do tempo. Fantástico.
Inquirido por Judite Sousa sobre esta coisa estranha de um Presidente de um governo regional insultar a Assembleia Legislativa, órgão perante o qual responde o seu governo (e ele próprio) em termos institucionais, essa grande personalidade dos bastidores do PS, António Vitorino, responde com candura que, enfim, hoje em dia os governos têm uma acção executiva e de liderança, pelo que essa relação institucional é apenas uma ficção; convém é, segundo ele, manter as aparências.
Após o anúncio de um entendimento entre o Ministério da Educação e a Plataforma Sindical, o primeiro ministro diz, em directo e sorridente, que é um grande avanço, pois ao fim de 30 anos vamos ter o que nunca tivemos: avaliação de professores. O ME afina pela mesma nota, insistindo nesta grande inovação que é a avaliação de professores. Isto é mentira, da grossa, e eles sabem que é mentira, e no entanto não se cansam de repeti-lo. Em 1998, quando saiu o decreto que, na última década, regulamentou a avaliação dos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, José Sócrates era ministro no governo de António Guterres. Pode dizer-se que a avaliação era ineficiente, que havia problemas de aplicação real, que era necessária mais supervisão/inspecção externa dos processos, que era preciso restringir o acesso ao topo da carreira a apenas uma percentagem dos professores, etc., agora dizer-se que não existia? E dizer-se que o que querem impor é o que se faz por essa Europa fora, apesar das várias reportagens que dão conta de como os sistemas europeus de avaliação de professores têm muito pouco a ver com o disparate que este ME quer instituir? Ao que dizem, ele é bem mais parecido com o que se faz por terras chilenas…
Claro que, falhos de ética e descontraidamente desinformados, como de costume, os muitos comentadores de ocasião que povoam os nossos media vão repetindo estas e outras grosseiras mentiras como se fossem a mais pura realidade, Assim o fez pouco depois na realidade em directo outra grande figura da nossa praça, o muito bemzoca Pedro Ferraz da Costa, mais do que capacitado para opinar sobre educação porque lhe fazem perguntas sobre isso. Também ele acha que haver finalmente avaliação de professores é óptimo porque a nossa educação é uma miséria. Como é que ele sabe? Ora, não é o que diz muita gente, incluindo o governo?
Com estes exemplos de ética, princípios e honestidade intelectual, bem se vê como não podemos deixar de ser extremamente exigentes com as nossas crianças e adolescentes, para que quando cresçam sejam assim também cidadãos exemplares. Ou saibam manter as aparências.
P.S. Para as memórias curtas ou distorcidas de ideologia, fica o decreto regulamentar 11/98. Atente-se, sobretudo, no anexo 1 – páginas 7 e 8 – que define os critérios a respeitar pela avaliação dos docentes.
Ler no SCRIBD.